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  • Foto do escritorJonas Silva

Vamos a Iruya

O que me trouxe a esse rincão tão longe foi a voz de um folclorista apaixonado pelo povo argentino, seus costumes e suas crenças. Jorge Cafrune foi um cantor que com seu cavalo e violão cantava "coisas de fundamento". Imortalizada na canção "Corazon Alegre". Iruya chegou aos meus ouvidos numa tarde de setembro quando explorava a cultura latina através de canções populares.

Os pitorescos caminhos e rio Colanzulí, também nominado como Rio Iruya estariam lá esperando o forasteiro, sufocados pelos paredões de quase mil metros, de onde é possível avistar cumes nevados e grupos de cabras sendo pastoreadas como se o tempo houvesse parado.


O Caminho.

Chegar aqui definitivamente não é fácil. Apesar dos ônibus regulares vindos de Humahuaca, nunca se sabe se eles vão conseguir chegar na hora combinada. E mesmo que cheguem, não é certeza que o passageiro de outras cercanias vai aproveitar a paisagem sem colocar as tripas para fora devido ao intenso zigue-zague feito pela lotação.

Nós chegamos aqui a bordo da Gorila, nossa TR4 valente. De Humahuaca subimos 1200 m de elevação e 50 km, sendo os últimos 27 de estradão de "ripio". Nesse trecho, apesar da elevação, a condução é suave e a paisagem muito agradável. As montanhas se elevam para ambos os lados sendo sorrateiramente, por vezes, cortadas por profundos vales escavados pelas escassas mas violentas chuvas de janeiro.

Caminho serpenteando o vale Colanzulí visto de Abra del Condor

No ponto mais elevado do caminho, Abra del Condor, atingimos 4100m, onde as províncias de Salta e Jujuy se dividem. Na nossa chegada o tempo estava fechado com uma leve neblina.

A temperatura caíra e nós logo começamos a longa descida de 20 km até a cota de 2700m de altitude. Logo depois da primeira curva a estrada estava bloqueda por um ônibus que saíra da pista. Felizmente havia saído para o lado da montanha, do outro lado a queda seria de mais de 50 m até a estrada mais abaixo. Colocamos a Gorila para trabalhar duro. Usando a fita tracionei o ônibus para o centro da estrada e depois de ceder passagem segui meu desafio.

As curvas se multiplicaram, a maior parte delas chega a mais de 90°. Qualquer descuido e carro salta centenas de metros no vazio. Uma queda que com certeza não seria segura.

Por um lado a adrenalina da condução deixa o motorista elétrico, por outro o espetáculo do cenário conduz-lhe para um estágio de letargia. Quilômetros a frente e abaixo é possível ver os riscos do Rio Colanzulí esgaravatando o penhasco. Do outro lado do rio, ao nível dos olhos terraços verdes do Pueblo Viejo parecem uma miragem em meio a tamanha montanha cinzenta. As paredes das quebradas, retas, como se tivessem sido aparadas por uma espada samurai, deixam expostas uma diversidades de cores nunca antes vistas pelos meus olhos.



O Pueblo.

Depois de uma hora e meia e centenas de curvas chegamos a idílica Iruya. A cidadela possui apenas duas ruas, ambas em pedra irregular ladeira acima, feitas para passar um carro por vez e interligadas por vielas ainda mais estreitas. Apesar das inúmeras placas de proibido estacionar, é bem comum encontrar a rua bloqueda por grandes camionetas de moradores mais modernos.

Dando as boas vindas, na entrada, uma igreja em amarelo ocre, no estilo colonial com sua torre imponente do lado direito, dedicada a Nuestra Senora del Rosario y San Roque é o ponto mais marcante do pueblo.

Vista de Iruya desde o Mirador del Condor

As casinhas que salpicam o pequeno triângulo habitável em meio às montanhas são de adobe. Pelas ruas vagueam cholinas e gáuchos em trajes típicos misturados a jovens "modernos" e turistas facilmente identificáveis, seja pela diferença de estatura, ou pelo andar desajeitado no chão irregular. Definitivamente caminhar por essas entranhas é algo que exige experiência.

Alugamos um quarto de hotel na parte alta e deixamos o carro no único local permitido estacionar, ao lado da Plaza la Tablada. Aliás, é nessa praça que depois da siesta, por volta das 18:00 as coisas acontecem. Todo o comercio se concentra em barracas nos 400m de rua. Se vendem roupas, material de papelaria, legumes e frutas, ervas, gasolina e claro as comidas de rua.

Nessa praça compramos duas comidas típicas: um choripan e um aperitivo chamado xixarón, uma mistura de pancho com papas e mote. Com a comida sentamos na mureta observar aquela ebulição cultural.

Sentar e observar é a forma que eu mais gosto de aprender sobre a cultura de um povo. Sem fazer perguntas, tirar fotos ou forçar uma conversa, ali discretamente em um canto, não há por parte do observador a tentativa de estimular um comportamento baseado na experiência dele. Dessa forma também não a um esforço do observado em atender a uma expectativa do observador. Eu chamo isso de uma verdadeira, mais não perfeita, experiência de campo.



Mirador de La Cruz.

No alto de uma das tantas montanhas que guardam Iruya fica um cruzeiro modesto brotando junto de uma capelinha. Simbolismo de fé e respeito, os dois são eternos vigias da cidadela.

Como uma fortificação, lá de cima é possível avistar as três entradas, ambas formadas pela água do único mês que chove de verdade por aqui, janeiro. Nos demais meses não há chuva, a umidade que mantém alguma vida é do desgelo, logo após o inverno, e das névoas, que umidecem as encostas e escorrem pelo vale. Também avistamos toda a pequena Iruya, desde as casa mais altas até a praçoleta já nas margens do Rio Iruya.

Subimos o Mirante da Cruz antes da garoa que caiu no desembocar da noite. Pela única rua que vai até o fim do pueblo, quando a rua acabou nós seguimos o sendero pela encosta do morro como se tivesseos voltando para a entrada da cidade. Assim que deixamos a proteção das edificações fomos castigados pelo gelado vento que afunilava pelo vale.

O vento frio e a garoa que seguiu encurtou nossa estadia lá encima. Contudo, ainda tivemos tempo de observar um grupo de cholinas fazendo algum ritual no pé da montanha ao lado, um grupo de garotos jogando futebol em um dos campo de cascalho - aqui não há grama, certamente no menos agressivo deles e alguns moradores que juntavam em sacos folhas de mate, chá ou coca que passaram os últimos dias torrando em seus telhados.

Vista de Iruya desde o Mirador de La Cruz

Foi daqui que pela primeira vez avistei o mítico condor-andino. Uma pareja, como se diz or aqui, se projetava dos 4000m de altitude aproveitando as correntes acendentes para planar sobre Iruya.


Mirador El Condor.

Saímos, logo que o dia clareou, para subir ao Mirador El Condor. Bem diferente do mirador visitado no dia anterior, esse ascende quase mil metros do outro lado do rio, para aquele nós subimos pouco menos de cem metros em quinze minutos. Do lado de cá a caminhada dura mais de uma hora serpenteando a enconsta.

Quando termina a rua mais longa do lado direito do Colanzulí um sendero de pastoreio sobre a moraina começa a subir. Lentamente vamos ganhando altura e perdendo o fôlego. A cada cinquenta metros percorridos o caminho muda de direção. Várias vezes, ao pisar, as pedras despencam ladeira abaixo exigindo cautela.

Assim que chegamos ao mirador alguns raios de sol timidamente venciam a montanha imponente e aqueciam pontos nas paredes das residências lá embaixo. Entretanto o que mais nos chamou atenção foram os cumes brancos do outo lado do vale do Colanzulí.

Cume nevado

Peguei a telefoto que havia trazido para fotografar o condor e comecei a captar imagens dos cumes para se certificar se eram ou não neve. Enquanto me ocupava com a neve nem percebi as nuvens entrando no vale e cobrindo o sol novamente. Quando me dei conta, só restou tempo para fotografar as cabras reunidas no aprisco alguns metros acima em outra montanha.

Entendemos que a luz não iria colorir o pueblo e retornamos às ruas para buscar a Gorila e refazer todo o caminho em caracol até voltar para a província de Jujuy.


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