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  • Foto do escritorJonas Silva

A captura dos espaços


Ao contrário do que muitos falam, não foi a pandemia que levou as pessoas aos parques, montanhas e florestas. Sim, o fenômeno foi acentuado durante os anos de 2020 e 2021. No entanto, quem tem vínculos com o mundo outdoor a mais tempo deve ter percebido o aumento da atividade.

Por muito tempo, muitos de nós defendemos o acesso a esse estilo de vida. Sonhamos com o dia que a natureza seja de fato um patrimônio natural, queríamos que os equipamentos que tornam a atividade mais fácil fossem acessíveis, condição que demanda o consumo em massa.

Pregamos e defendemos a massificação. Fomos as redes procurar público, criar necessidades às pessoas, para que tivessem o interesse em ir para o mato. Caímos em uma armadilha bizarra. Se o período beat invadiu os parque norte americanos criando problemas que levaram anos para serem amenizados, o ciclo "zuckerberg" invadiu as montanhas brasileiras. Resta refletir sobre o tempo que temos para coordenar isso sem que se transforme numa catástrofe ambiental.

Mas o que me trouxe a esse texto não foi nem a questão ambiental; foi o aspecto cultural e social disso. E antes que me julguem, vamos observar quem é de fato o grande público que invade as montanhas. Não são pessoas realmente pobres, ou realmente ricas, nem são pessoas que têm alguma ligação com a natureza. Basta sentar uma hora na rocha e observar, ou abrir o "olimpo" Instagram e se atentar aos detalhes. São pessoas com um celular caríssimo, com equipamentos quase alienígenas. Se vangloriam de "conquistar" uma montanha, sem nem mesmo se dar o respeito de reconhecer a trilha aberta por outra pessoa. Se dizem boa onda, mas julgam todos os demais, não tem capacidade de ofertar uma carona na estrada ou respeitar o ritmo alheio.

Imagem de Andrew Martin por Pixabay

O caos total vem tirando das pessoas o direito ao espírito livre. Parte das trilhas, que nos eram públicas, hoje são monopolizadas por pseudo-grupos autointitulados guias, agentes. A maior parte deles não tem 100 h na mata, e o problema nem é esse, se se responsabilizam e tem público: que façam o que fazem. Mas, o problema é que capturam espaços e comunidades inteiras dizendo defender interesses coletivos.

Qual interesse? Seus bolsos cheios, áreas de acampamento povoadas, negócios imobiliários imperdíveis.

Com a queda do sistema "zuckerberg" esses dias (falha no Instagram, Facebook e Watssapp em outubro de 2021), comecei a pensar nesses "pobres", que nem ao menos se preocupam com seus interlocutores, prova disso é a quantia deles pedindo desculpa por seus posts agendados atrasarem.

Outra face é a questão dos preços da atividade. Se um dia defendemos a massificação por imaginar que se tornaria acessível a mais pessoas, o que diremos hoje? Um calçado "para trilha" não custa menos que R$ 200, uma blusa "técnica" não sai por menos que R$ 400. É tanta coisa que te exigem. Ou você é provido ou não é bem vindo. E pior o acesso a esses locais que era feito por amigos hoje não sai por menos de R$ 50 a cada 10 km.

Com essas regras de boa vizinhança que criaram, e na verdade só servem para encher de merda a parede, quem tem o direito, a oportunidade de começar a ter uma experiência ao ar livre?

Eu comecei a ir para o mato, anos atrás, com uma botina doada, um saco de estopa costurado como bolsa, um pedaço de lona e a roupa do cotidiano. Bastava caminhar algumas horas, pegar alguma carona e chegado na mata começar a caminhar.

Hoje a entrada na mata me custa 5 vezes o rolê todo de antes. Daí vão me dizer, mas era muito mais sofrido. Era sim, mas naquela situação aprendi a respeitar quem já tinha passado ali, aprendi a respeitar o tempo que me castigava se não o considerasse, aprendi a viver aquele mundo convivendo com as pessoas que faziam parte dele, quando eu não fazia. Eu sabia o nome de cada proprietário, de cada coletor, caçador, que andava naquelas cercanias e muitas vezes me indicava o destino. Hoje a maioria nem sabe quem é o dono do terreno, apenas paga o porteiro esperando que os sirva.

Quem que está lendo esse texto, sabe se a família, que guarda a entrada da última trilha que fez, tem filhos? Está bem de saúde? Se é herdeira do lugar ou comprou ali? Mais ainda, se comprou porque aquela é a vida dela, ou porque é uma oportunidade de negócio?

Bom acho que estamos agora em uma sintonia parecida, aqueles que não concordam, ao menos estão incomodados. O ponto que eu queria chegar é que estamos vendo nosso espaço de liberdade, onde podíamos conectar com os espíritos da natureza, sendo captados por interesses que não são os nossos.

Aos poucos teremos nossa liberdade tolhida, e pior, veremos aquela natureza que tanto amamos ser capturada e transformada para atender os desejos daqueles indivíduos que não se importam. Quem achava que na natureza estávamos inócuos a cultura do consumismo e ganância, infelizmente trouxemos elas para cá.

Imagem de photosforyou por Pixabay

E agora, as praias foram engolidas pelos condomínios, pubs, estacionamentos. Aquelas que ainda não nos proíbem o acesso, enxotam-nos com julgamentos, acusações e restrições; não é raro história de grupos que intimidam "pessoas estranhas". Quem tiver curiosidade do porque estou falando de praias, volte no tempo e pesquise sobre a invasão das praias no século passado.

O fenômeno começa aplaudido como expansão cultural, passa a ser uma baixaria da comunidade, impulsionada por interesses alheios, para justificar o próximo passo que é a colocação das "cercas".

Bom, nesse momento não sei se há opções. Não tenho certeza se somos capazes de fazer diferente. Ao menos estou pensando sobre o assunto.

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