Estávamos empolgados para nosso primeiro dia conhecendo a parte alta do parque. Pensamos em fazer um circuito passando pela Asa de Hermes, Pedra do Sino de Itatiaia, Ovos de Galinha, Cachoeira Aiuruoca e Morro do Massena.
Coloquei a cara para fora da barraca e vi tudo nublado, eram 05:40, voltei para o saco de dormir pensando que seria um dia parado no acampamento. Sem o tempo abrir não iríamos subir nenhuma montanha, afinal temos a semana toda pela frente. Quando os vizinhos começaram a sair das barracas, às 06:40, voltei a olhar para fora e pude ver no horizonte algumas nuvens de tons avermelhados, sinal de que o tempo abriria.
Mais quinze minutos e levantamos para tomar o café da manhã - café, pão e ovos. Depois separamos todos os alimentos e colocamos nos sacos dos sacos de dormir para proteger do daninho lobo-guará que nos visitara na início da noite anterior. Combinamos com nossos vizinhos de guardar a comida no carro deles que ficariam acampados mais um dia com a gente. Tudo protegido no porta malas, separamos a água e algum petisco na mochila de ataque e partimos em direção à Asa de Hermes. Eram 08:10, o céu estava lindo e ventava gelado.
Pegamos a trilha que sai detrás do abrigo e cruza pelas beiradas da pequena represa. Antes precisamos dar passagem ao batalhão do exército com seus mais de 100 soldados que marchavam para uma instrução nas grandes rochas ali perto. Assim que entramos definitivamente na trilha, embalados pelos gritos de guerra do batalhão, esse, que, já vinha se locomovendo desde às cinco horas, viramos à esquerda na primeira bifurcação. A trilha bem definida e regular segue na direção das Agulhas Negra. O Maciço vai nos acompanhar o dia todo, de diversos ângulos, difícil definir um como melhor. Depois do primeiro quilômetro já podemos ver à direita Maciço das Prateleiras que, também nos acompanhará por quase oito horas.
Antes da bifurcação para as Agulhas cruzamos a ponte pênsil e logo depois avistamos o primeiro lago, no sentido das Prateleiras. Viramos na bifurcação da esquerda e seguimos paralelo às Agulhas Negras por dentro do vale. Durante a caminhada enxergamos a Asa de Hermes incrivelmente esculpida e assentada na borda da grande rocha.
Depois de cruzar o vale, transpondo um pequeno leito de rio, a trilha fica mais complicada. Precisamos caminhar entre grandes rochas, parece um amontoado delas depois de uma explosão. Muitas vezes é difícil encontrar a trilha, outras vezes ela cruza por pequenas fendas entre grandes blocos. Atividade difícil e que exige muito cuidado para não sofrer nenhum acidente. Foi necessário uma hora de empenho para superar esse portal.
Apesar de chegados do outro lado a situação nada mudara. Nas rochas não ficam rastros de forma que é preciso ir por tentativa e erro ganhando terreno. Quando encontramos um caminho melhor definido, ele é difícil e paralelo à parede. Logo em seguida entramos num lance de escalada por um flanco de rocha ornado com pequenas canaletas. Superada essa etapa a trilha sobe pelo fronte atacando a rocha o tempo todo. É preciso usar a aderência para se manter em pé. De lance em lance chegamos no platô
Mesmo lá em cima ainda precisamos superar um último lance complicado. Duas grandes rochas encostadas apenas em uma das extremidades, para transpô-las é necessário dar um abraço em uma terceira pedra. Para mim foi mais fácil, já para a Bruna foi complicado, mas, com cuidado e paciência ela escalou a rocha sobreposta e passou para o outro lado. Quando saímos de trás das rochas na Asa de Hermes, fomos recebidos por rajadas de vento implacáveis. A primeira delas foi suficiente para tirar meu equilíbrio quase me jogando no chão.
Não fossem as pequenas pausas do vento, não teríamos chegado ao livro. Após assina-lo e fazer uma boquinha, retornamos pelo mesmo flanco até a trilha na base. Desse percurso podemos ver o vale por onde passa a Travessia Rancho Caído que, percorreremos nos próximos dias, além dela o Pico Maromba e os Gorilas. Por quase uma hora procuramos a trilha que segue para a Pedra do Sino de Itatiaia, sem sucesso. Nosso progresso nesse trecho foi irrisório e como já passava do meio-dia optamos por retornar e abortar o plano inicial.
Sentamos nas rochas e ficamos observando Maciço e pensando se um dia voltaremos para fazer a travessia das Agulhas Negras, nesse momento uma rocha chama minha atenção; ela tem o formato de um grande pé esquerdo. No retorno, percorremos todo o labirinto de pedras novamente, dessa vez com mais efetividade, pois, já conhecíamos a trilha.
Para aproveitar o resto da tarde, quebramos à direita antes de chegar a trilha das Agulhas Negras, rumando para a Pedra do Altar. O caminho é formidável, além de largo é bastante plano e com subidas leves. Os dois quilômetros contornam um grande pico com o Maciço das Agulhas Negras à direita, o Maciço das Prateleiras ao fundo. Após o contorno cinco lagos ficam visíveis no platô no sentido das Prateleiras, e à esquerda o Morro do Couto domina a paisagem tendo como fundo a Serra Fina. À frente o visual da Serra Negra é levemente conturbado pela grande rocha da Pedra do Altar.
Caminhamos lentamente apreciando cada vista do percurso. O relevo é impressionante, tanto pela dimensão das rochas como pelos formatos que cada uma assume, texturas e arranjo. O Agulhas Negras e o Morro do Couto predominam pelo tamanho, são vistos em qualquer fresta entre as montanhas. O Prateleiras, pitoresco, é o mais belo e aparece em todo esse lado do parque. Os grandes vales formam lagos azulados no fundo, memórias indeléveis.
Tendo chego ao cume o vento ainda castigava, só que agora muito mais frio. Lá de cima, além de todo o visual já descrito, somam-se o Vale do Aiuruoca, a Pedra do Sino, a Ovos de Galinha e o cume do Pico Maromba.
Esperamos uma das raras janelas sem vento para transpor para parte exposta do cume e iniciamos a descida pelo mesmo caminho da vinda. Eram 16:00 quando chegamos novamente na mesma pedra onde o batalhão estava recebendo instruções. Agora eram dois, um nessa rocha e outro lá do outro lado, próximo das barracas. Seus gritos se misturavam por todo o vale do Rio Campo Belo.
Encontramos a Ofurô intacta, o lobo-guará não havia aparecido. Tiramos uma boa soneca e às 18:00 nos juntamos aos vizinhos no quiosque para jantar uma quirerinha com linguiça e café. Isso nos rendeu boas conversas, e ainda conseguimos dar uma olhada no croqui da via sul das Prateleiras que pretendemos subir na quarta. Os dois meninos que haviam chego no acampamento no dia anterior, domingo, já a noite, tinham feito a travessia das Agulhas Negras e no dia seguinte iram escalar o Prateleiras.
Voltamos para a cama e encontramos novos vizinhos, castelhanos. Dentre eles uma pessoa dentro da barraca só reclama à ponto de querer que as pessoas aqueçam água para esquentar os pés. Antes de dormir tivemos o prazer de ouvir o lobo-guará latir nas redondezas. Nesta noite esperamos que ele fique longe.
Este diário é o quinto de uma sequência de dez dias acampados no Parque Nacional do Itatiaia na divisa entre os estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Os demais dias, parte baixa e parte alta são relatados nos diários antecedentes/subsequentes.
Comments