top of page
  • Foto do escritorJonas Silva

Descobrindo o Planalto Paranaense - Ortigueira

Atualizado: 23 de mar. de 2022

Em tempos difíceis nossos caminhos se perdem em regiões despovoadas, muitas delas quase esquecidas dentro desse imenso território que é o Paraná. E foi nessa toada que quando se vimos apanhados pela pandemia desviamos as jornadas dos parques e montanhas mais conhecidos para uma região que já amávamos de paixão, e agora estreitamos ainda mais os laços; o segundo planalto paranaense.

A um ano eu atrás estava estudando alguns mapas na esperança de traçar uma rota de peregrinação entre os rios Tibagi, Ivaí e Piquiri, e acabei "encontrando" uma região de platôs, morros e cumes bem diferentes entre os municípios de Tamarana e Turvo.

Essa foi nossa segunda incursão com a finalidade de chegar em parte desses cumes. Cinco meses antes havíamos acampado no Morro dos Ventos em Nova Tebas.

Amanhecer no Morro dos Ventos em Nova Tebas.

Dia Primeiro - Escondidos

Saímos de Campo Mourão às 08:00. Primeiro percorremos a PR 317, depois a PR 082 até o município de Lidianópolis, quando pegamos a BR 466, em seguida a BR 272 até Faxinal, município conhecido de nossas expedições.

Fizemos a pausa de costume no Restaurante Trevo para comer um salgado e, então, sair do asfalto. Aproximadamente 9 km depois do restaurante saímos da rodovia, ao lado da ferrovia. Por uma estradinha de terra entre uma saída e outra, uma passagem sobre os trilhos e outra sob eles percorremos 10 km para chegar o mais próximo possível do primeiro túnel.

Do ponto onde ficou o carro até o túnel foram alguns metros, o suficiente para cruzarmos o primeiro trem, foram cinco minutos e dezenas de vagões produzindo um ruído assustador. Chegamos no túnel do trem pela primeira vez. Realmente era nossa primeira vez em um túnel. E ver o trem com todo aquele aquele aço rangendo e faiscando, depois os trilhos quase incandescente pelo atrito, tirou a empolgação de andar dentro do túnel.

É um local bonito e assustador, ao mesmo tempo que te desafia com a curiosidade de saber o que há depois da escuridão, também te paralisa com a hipótese de ser esmagado por uma locomotiva de 1000 ton.

Resumimos a uma caminhada até onde a luz alcançava e se demos por satisfeitos. Pegamos as estradas novamente. Mais 10 km percorrendo florestas de pinus e araucárias até chegar no distrito de Campina dos Gomes, às margens da BR 376.

Nossa próxima tentativa foi o Perau Vermelho, no entanto o caseiro não nos permitiu passagem. Descemos mais um pouco na rodovia e entramos à esquerda para a Pedra Branca, também conhecida como Morro das Antenas.

Pagamos uma taxa simbólica ao caseiro e perguntamos sobre dormir lá em cima, o senhor disse que não estava mais sendo permitido devido ao mau comportamento de grupos vândalos. Ele não podia permitir nosso pernoite.

A Pedra Branca com 1250 m é o ponto mais alto do interior do estado, ao menos considerando os mapas e GPS dos locais que já estivemos. Muita gente considera o Pico Agudo de Sapopema como o mais alto, no entanto já estivemos lá e a altitude que verificamos foi de 1216 m, na Serra Grande, do outro lado da Corrredeira do inferno, a altitude foi de 1236 m. Mas independente de ser o maior ou não, essa protuberância chama muita atenção, assim como o Pico Agudo, quando vista dos municípios de Ortigueira, Tamarana, Sapopema ou Telêmaco Borba. O morro se assemelha aos tepuis como o Monte Roraima. Um grande bloco rochoso emergindo da paisagem.

Pedra Branca, "tepui", visto da Serra Grande ao lado do Pico Agudo, a mais de 30 km de distância.

Já se passavam das 16h quando chegamos no topo. Haviam várias pessoas, algumas em rodas de conversa com muita bebida, outras famílias contemplando a paisagem e alguns fotógrafos com suas clientes.

Depois de nós não chegou mais ninguém, exceto um veículo da companhia responsável pela operação da torre de comunicação que fica no platô. As pessoas começaram a ir embora, como não tínhamos ideia de onde passar a noite, resolvi ariscar e perguntei ao monitor da empresa se poderia acampar por ali. Ele não disse sim, mas também não disse não. Se limitou a falar que já vira gente dormindo por ali.

Entre uma trilha e outra no platô decidimos tirar a sorte e dormir ali mesmo. Havia sinais de acampamentos recentes, e se tudo saísse errado, dormiríamos no carro em algum posto próximo.

Já estávamos sós quando o sol começou a descer por trás da serra, colorindo o firmamento com seu dourado intenso.

Antes de escurecer, completamente, montamos a barraca e preparamos um jantar. Durante a noite as luzes dos caminhões subindo a serra, as luzes das cidade no horizonte e as luzes das residências espalhadas pelos campos gerais e pelo planalto, são um contraste com o breu próximo da superfície. Lá no alto, por sua vez, a lua ilumina o céu nas primeiras horas da noite, como se preparasse o palco para as estrelas, eternas vigias durante a madrugada.


Dia Segundo - A lenda da mulher do rio


Aguardando o nascer do sol

Assim que o dia ficou claro, levantamos e fomos para a borda do platô esperar o sol levantar. No horizonte a Serra Grande, Pico do Meio, Pico Portal e Pico Agudo dividem a vigia do planalto. Entre nós, um emaranhado de elevações menores, estradas sinuosas e muitas nuvens, formadas pela convecção, preenchem as depressões deixando escapar uma ou outra casinha entre a bruma.

Voltamos ao carro e preparamos o café. E esperamos alguém subir para descermos. Até às 08:00 ninguém apareceu, então lá fomos nós certos de que o portão do caseiro estaria fechado e talvez encrencasse de dormirmos ali. Mas, tudo correu bem, o portão já havia sido destrancado. Apenas acenamos para o sr. que estava na varanda e continuamos.

Descendo pela BR 376 mais 6 km, saímos à direita onde conseguimos acessar a ferrovia mais uma vez. Assim que paramos, o trem veio, esse era menor que o de ontem, mas não menos assustador. Com 53 vagões, sendo 33 tanques combustíveis, e para piorar um deles, carregado com madeira, trazia uma ripa já lascada com a ponta para fora do vagão, pronta para perfurar qualquer coisa que estivesse entre o vagão e a parede de um túnel.

Segundo trem a passa por nós.

Apreensivos, começamos a caminhada. Cruzamos o primeiro viaduto, o mais longo. Por dentro do talude caminhamos mais 1,5 km, nos quais fomos alcançados por outro trem maior e mais silencioso, isso aconteceu pouco antes do primeiro túnel, um com 250 m, que dava para ver a saída do outro lado.

Cruzamos o túnel sem medo, cruzamos outro viaduto, outro túnel, e mais viaduto bem mais alto; com um visual incrível do planalto. Esperamos outro trem cruzar para então entrar no túnel mais longo, do outro lado mais um viaduto, um túnel, esse acaba praticamente em cima de outro viaduto que depois termina a menos de 100 m de outro túnel. Mal chegamos do lado de lá e a primeira locomotiva descendo passou a uma velocidade impressionante.

Paramos para descansar e comer alguma coisa. Quando estávamos para começar o retorno nessa sequência viaduto túnel escutamos o ruído do monstro de ferro. Esperamos cinco minutos até ele aparecer subindo, a maior locomotiva que vimos, com 78 vagões que levaram quase dez minutos para sumirem no túnel a frente. Sabendo que teríamos ao menos vinte minutos até que o próximo viesse, cruzamos os túneis e viadutos seguintes mais tranquilos.

Faltando dois viaduto e um túnel paramos novamente esperar o trem para não ser surpreendido em situação complicada. Nos viadutos e túneis não há local de escape. No túneis, por algum motivo não há recuos como fomos encontrar mais tarde em outras ferrovias, e as plataformas de fuga dos viadutos não tem mais a base ou o guarda corpo sendo, portanto, inúteis. Ficamos 20 min parados e dessa vez nada.

Não tinha outra alternativa que não seguir. Passamos o próximo viaduto sem problemas, o túnel também. Só do outro lado que o trem apareceu, uma locomotiva elétrica muito nova, com poucos vagões e bastantes silenciosos. Quando estávamos saindo do viaduto final antes do local onde estava o carro, paramos para tirar algumas fotos e conversar com dois rapazes que estavam tirando fotos também. Mal sentei no trilho, surpreendeu-nos outra locomotiva subindo. Foi aquela correria, desnecessária, na verdade, já que dava bem tempo de sair tranquilamente.

Dos trilhos fomos para a cidade de Ortigueira abastecer e já passamos em frente a Igreja Matriz. A cidadezinha, interiorana, é bastante simples, sem infraestrutura e raras opções de lazer, mas com um interior de muitas belezas naturais ainda desconhecidas.

Voltamos para a rodovia, mas dessa feita apenas atravessamos para o outro lado, e dirigimos por 20 km até a Cachoeira Véu de Noiva. No caminho, conhecemos o dono das terras onde fica a queda de água e também a emblemática Serra Pelada. O proprietário nos cedeu ordem para pernoitar na fazenda. Antes foi preciso esperar uma máquina que fazia a remoção de rochas enormes que tinham tombado na estrada. Aproveitamos o tempo para conhecer mais da história do lugar, contada por alguns proprietários que estavam acompanhando o serviço.

O que mais me chamou a atenção foi a história sobre a vegetação da região. Quando perguntei ser natural as encostas não terem vegetação arbustiva, ou seria resultado das pastagens, um gaúcho que morava ali há mais de 30 anos disse que quando chegou as encostas hoje peladas tinham árvores, mas aquelas que hoje tem árvores eram peladas e isso parecia ser um fenômeno natural. Interessante, isso me pareceu convincente. Observando mais com calma, as encostas que não têm árvores também não tem sinal de desflorestamento como é comum em Faxinal e outros municípios mais a noroeste do estado. Independente da veracidade ou não, a criação é bastante presente nas fazendas, muita braquiária e pastagens tomam o espaço das gramíneas naturais.

Outro fato nos deixou curiosos, a quantidade de caixas de abelhas espalhadas por todos os lados. Quase todas as árvores dos campos mais abertos tem algumas colmeias apoiadas. Depois do retorno fui pesquisar e descobri que Ortigueira foi a maior produtora de mel do país daquele ano (2021).

Cachoeira Véu de Noiva

Chegamos na fazenda, montamos o acampamento na margem do riacho, com um visual ímpar, e fomos conhecer a cachoeira. É uma queda magistral, com 84 m de altura, cai sobre uma camada de rochas cobertas de musgos. Uma água gelada de tremer os dentes. Não forma um poço ideal para banho mas gera uma névoa que lava até a alma. Apesar de vermos a parede de 84 m, acima tem outra queda com quase 80 m, que só é vista subindo a Serra Pelada.

Voltamos para a barraca reunir lenha e organizar o jantar. Como havia uma casa ali perto, fui lá avisar o morador que eu estava ali. Essa é uma preocupação que sempre carrego nessas viagens, para evitar que o(s) morador(es) fiquem preocupados e/ou assustados e também evitar que durante a noite alguém possa soltar cães ou algo pior ainda possa acontecer. O morador, um vaqueiro, muito simpático e parecido com meu tio nos recebeu de braços abertos. Deixou pegar água e ofereceu inclusive pousada, recusamos o pernoite mas tiramos boas horas conversando e ouvindo suas histórias de onças e lendas rurais. Ele também nos contou que a Serra é local muito frequentado por escaladores.

Acampamento em frente a Serra Pelada

De volta no acampamento fomos tomar banho no córrego. A partir disso e das lendas contadas pelo vaqueiro, criamos mais uma: "existe uma mulher pelada que aparece às margens do rio ali na Serra". Pode que não se firme como lenda, mas é assim que muitas delas surgiram, de acontecimentos normais, ou nem tanto, que alguém viu de uma forma confusa e começou a espalhar por aí. Existem tantas, apesar de fantasiosas são parte importante da nossa cultura e responsáveis pela construção da moral social.

A noite ia caindo e além da nossa fogueira só ouvíamos os gritos e víamos as lanternas dos escaladores no paredão lá na frente.


Dia Terceiro - Projeto Puma

Acordamos com as vacas rondando a barraca. O dia já estava clareando e logo tomamos o rumo da escarpa. Escolhemos a parte menos inclinada e cruzando entre os caminhos formados pelo gado fomos ganhando altura. Em 20 minutos chegamos na crista.

Primeira vez que vimos o acampamento dos escaladores

Começamos a percorrer os pouco mais de dois metros de largura do topo da crista. De um lado o penhasco com cerca de 100 m de queda livre, do outro a mesma altura, só que com uma inclinação mais suave, na casa dos 75 º.

Quando o sol começou a aparecer no leste a luz foi preenchendo o vale e vimos lá embaixo alguns carros e barracas que passaram a noite próximo a parede de escalada. Com a luz preenchendo os vales pudemos ver também as nuvens levantando próximos aos leitos de água.

Comecei uma caminhada pela crista, enquanto a Bruna, com algum receio, ficou esperando sentada em uma pedra. Fui por uns 300 m, em alguns pontos foi difícil passar contornando as pedras, escalando e/ou desescalando. Quando ficou mais difícil, preferi retornar e deixar para tentar uma travessia dos 4 km da crista em outra oportunidade. Na volta, como as nuvens já se dissiparam pude ver do outro lado os 80 m da parte de cima da cachoeira; impressionante.

Quando chegamos ao acampamento novamente, encontramos um rapaz esperando. Segundo ele veio para escalar a primeira vez na serra e pensou que nós estaríamos escalando. Ele ficou meio envergonhado com a situação, e acabamos não conversando muito, só orientei que o acampamento onde estavam os escaladores era mais adiante. Ele embarcou no carro e se foi.

Levantamos o acampamento e seguimos na direção Rio Bonito, onde fizemos uma breve parada na Cachoeira do Rio Bonito. Depois tentamos uma ligação direta, pelas estradas, até a comunidade Monjolinho, mas em uma das estradas encontramos a porteira fechada. Resolvemos voltar por onde viemos.

Cachoeira Dito Gardiano

Cruzamos a cidade e seguimos na direção da Represa Mauá. Na metade do caminho saímos à esquerda para passar na Cachoeira do Dito Gardiano. Essa cachoeira fica no fundo do vale do Rio Barra Grande. É uma salto imponente, com muitas corredeiras, mas parece um local impróprio para banho devido aos refluxos que a correnteza forma.

Na estrada novamente, o dia já vinha entardecendo, tocamos direto para o Lajeado Bonito de onde fomos ver a represa em dois pontos, o último deles a Ponte do Rio Barra Grande.

Da ponte seguimos em direção ao último ponto de interesse, o local que definimos que seria nosso objetivo antes mesmo de começar a expedição; a planta industrial da Klabin chamada de Projeto Puma.

Passamos pela Campina dos Pupos e quando chegamos ao Projeto Puma já era noite. O fato de ser noite deixou a experiência perfeita. Com todas as luzes, a planta industrial, uma das maiores da América Latina, ficou parecendo uma cidade.

Depois de atingir o o objetivo final, tomamos o caminho de volta pela BR 376 até Ortigueira. Depois de muitas trocas de rodovia finalmente chegamos a Campo Mourão já se passavam 22:00.

129 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page