Em uma quinta feira aparece em minha tela um relato sobre o Pico do Meio em Ortigueira, meio irmão da Serra Grande que já fazia parte dos meus planos. O pico é parente do imponente Pico Agudo de Sapopema.
Debruçado sobre o Wikloc, Google Earth, Maps ME e mais alguma carta, traço um plano de atravessar o maciço a partir do Norte. A distância não é muito grande mas a vegetação (samambaias, arranha gato e "taquara") ditariam o ritmo uma vez que a face Sul havia - segundo o relato - sido adentrada uma única vez, e na norte não havia relato - poucas investidas haviam ocorrido pelo oeste, ainda assim sem trilha demarcada.
Convidei alguns amigos que toparam de pronto. Claro, não contei dos detalhes, hahaha. Só falei que poderíamos encontrar a samambaia no caminho. Quinze dias depois, às 04:00, lá fomos nós. Todo mundo animado. Porém foi só sair da rodovia que baixou um "russo" danado, lembrando a Serra do Mar.
Dirigimos por 40 km em meio à névoa branca. Só dava para enxergar o carro da frente, talvez por isso "demos alguns perdidos". Depois de estradinhas e porteiras rurais, subidas de cascalho massacrando os pneus, chegamos; às 10:30. O pessoal já meio desconfiado. Naquela neblina não dava para ver nada, e eu insistindo que havia uma montanha ali.
Se apossamos de pequenas mochilas de ataque e partimos por um caminho de vacas. Isso me custou boas gargalhadas nos próximos dias: falei que seguiríamos o trilho dos animais até a linha da mata, só que quando começou a aventura de verdade, nem vestígios de boi na mata:
- ei, "o boi passou aqui? Não?! Acho que não tem boi nesse mato! kkkkk.
Assim que deixamos a pastagem o caminho se tornou hard. escolhemos um vau por onde a enxurrada corre durante as chuvas. Com muitas pedras de todos os tamanhos, soltas, rolando morro abaixo. Era o melhor trajeto, a vegetação entrelaçada tornava o caminho por outro lugar (sem cortar a vegetação) intransponível. Foram 2 h, muitos tombos - teve quem caiu na braquiária (pasto) já - para caminhar cerca de 900 m com elevação de 500 m.
Quando acabam as pedras começa algo pior; a samambaia. Os galhos crescem mais que um humano. Os mais velhos acamam e os novos afloram formando uma cortina de 1,7 m de mato denso e pontiagudo.
Pela primeira vez os raios do Sol puderam ser vistos. E alguns metros depois, pudemos avistar o colchão nuvens abaixo de nós preenchendo as Corredeiras do Inferno e mostrando apenas o platô da Serra Grande à esquerda e o do Pico Agudo à direita. Pronto, fiquei aliviado! Aquela vista já me eximiria de ter colocado as pessoas no perrengue.
A partir de então a caminhada é extenuante, só recompensada pelas clareiras que se abrem à esquerda dando sinais que logo veríamos a Corredeira no seu esplendor. Transpor os 400 m até o cume com 100 de altimetria levou mais 50 min. Em um momento até encontramos uma fita, provavelmente alguém caminhou ali, no platô, mas a samambaia apagara qualquer rastro civilizatório. Eram 12:20 quando encontramos o livro de cume - nesse pedaço já tem uma trilha "meio" formada que sobe da face oeste. Lá embaixo o Rio Tibagi ronca como uma fera se debatendo no árduo caminho que o destino reservou-lhe: montanhas tão imponentes. As nuvens haviam se dissipado como que nos premiassem pelo empenho.
Uma longa pausa para recarregar. Alguns com comida, outros, sono, foto, etc. Saímos para a descida, crentes que seria mais fácil (hahaha). O relato que li falava de uma ascensão pelo lado Sul. Os primeiros 100 m conseguimos, com dificuldades, seguir um rastro humano que a vegetação estava por consumir. A partir de então, procurar a trilha se tornou impraticável, desaparecera. Seguimos no mesmo ritmo da subida; a passos de tartaruga. Logo a mata tomou conta, apareceram as "taquaras". Numa tentativa de facilitar a descida saímos do vau da enxurrada. O emaranhado de cipós, a cama de folhas e a inclinação de pelo menos 60 º tornou os tombos mais comuns que na subida. Mas a beleza da mata quase virgem entranhando na rocha e sua diversidade não deixavam que desanimássemos (e nem tinha essa opção, desistir ali significava esperar uma onça faminta).
Foram 350 m de elevação em pouco mais de 600 m percorridos em zigue-zague até sairmos novamente no caminho das vacas. Como a vida na braquiária é boa! hshshs. Descemos mais 150 m até a estradinha para contornar o Pico e retornar aos veículos. Logo no início dessa, adivinhem: o boi! Só que estava bloqueando a estrada e não abrindo passagem, kkkkkk. Por "respeito" fizemos um desvio e deixamos o animal lá, tranquilo, ruminando o capim, como se sussurrasse alguma gozação do nosso estado.
Voltamos para os carros que estavam sendo vigiados por umas 300 vacas curiosas, mais que isso, tentaram uma limpeza a seco, lambendo as latarias sem sucesso. Dali seguimos para a base da Serra Grande onde passamos a noite sob uma lua de dar inveja, e acordamos com a aurora imponente sobre essa montanhas e o estridente Tibagi.
O domingo ainda seria movimentado, com muita paisagem bonita, estradas encantadoras e um salto majestoso para encerrar a Expedição Serra Grande.
Agradecimento
A essa galera da foto por tornar essa aventura possível e mais divertida.
Que bacana! Abrimos uma trilha pela Face Norte em 2019 por um trajeto semelhante! Na ocasião, instalamos o Livro de Cume desta Montanha. Em Junho deste ano encontramos o Marco Geodésico (IBGE) de 1956... Sou testemunha das dificuldades que vcs enfrentaram por lá... As samambaias são cruéis e implacáveis! Imagino que a Travessia que abrimos até a Face Norte da Serra Grande (em 01 de Maio) já esteja completamente fechada pelas samambaias, lianas e gramíneas... No mais, gostaria de parabenizá-los, pois o Traçado da Trilha ficou ótimo! Fraterno Abraço de Rolândia!